ASPECTOS DEMOCRÁTICOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM ANÁLISE DA SÚMULA 618 DO STJ.

ASPECTOS DEMOCRÁTICOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM ANÁLISE DA SÚMULA 618 DO STJ.

 

                                                           Por PAULO ROBERTO BRITO NASCIMENTO *

 

O objetivo deste artigo é analisar a Súmula 618 Do STJ e os aspectos que a cercam, notadamente no que se refere ao acesso à prestação jurisdicional de forma justa e equânime, pressuposto do Estado democrático.

A Súmula 618 do Superior Tribunal de Justiça trás em seu enunciado: “A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental”.

A referida Súmula foi construída da citada Corte baseada em julgados precedentes que utilizaram a regra disposta no inciso VIII, do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor no tocante à inversão do ônus probatório baseado na hipossuficiência da parte, tendo o STJ aceitado a tese de forma ampla para atrair a inversão, sem analisar os casos concretos no tocante ao fato de existir ou não relação de consumo e o pior, se a parte beneficiada, muitas vezes o Ministério Público em Ações Civis Públicas, é realmente a hipossuficiente na relação processual, muitas vezes travada contra pequenos produtores rurais ou pequenas empresas.

Vaza daí a necessidade de se analisar até que ponto a Súmula atinge aos fins de equidade e justiça na prestação jurisdicional quando aplicada de forma ampla e irrestrita, verificando-se se a regra do art. 926, § 2º do CPC foi seguida ao analisar as circunstâncias fáticas ao se editar a citada Súmula.

Não nos parece que os precedentes utilizados para construí-la foram capazes de trazer uma verdade ampla e irrestrita para a edição da mesma, vez que não contemplaram todas as hipóteses de sua utilização, notadamente as já mencionadas, onde o Ministério Público pode se valer da regra sumulada em prejuízo da equidade e da justa prestação jurisdicional.

A própria Lei nº 7.347/85, Lei de Ação Civil Pública, prevê a aplicação do Código de processo civil de forma suplementar às suas disposições e não estabelece a inversão automática do ônus da prova,

A correta e justa distribuição do ônus probatório é um instrumento democrático de aplicação da justiça e não deve se contrapor, sem a devida fundamentação, aos ditames de distribuição da prova, previsto nos incisos I e II do artigo 373 do CPC no escopo de que seja produzida sempre pela parte que tenha melhores condições de produzi-la.

O próprio artigo prevê nos parágrafos 1º e 2º a possibilidade de distribuição diversa do ônus probatório, mas sempre se analisando o caso concreto e as peculiaridades do caso, não de forma ampla e irrestrita, sob pena de se desvirtuar a aplicação da Súmula 618 do STJ, que não pode se contrapor a citada regra processual do CPC.

A eventual aplicação da citada Súmula, sem tais precauções e sem a devida analise e decisão fundamentada para a inversão probatória pode ensejar condenações baseadas em presunções, prescindindo de uma prova técnica, o que não atenderia aos fins democráticos da equidade no tratamento das partes para uma correta e justa prestação jurisdicional.

Não se pode deixar de citar o perigo da ocorrência do ativismo judicial em decisões cuja aplicação da Sumula em debate, desfundamentada e sem a analise da realidade fática dos autos, pode desvirtuar o verdadeiro sentido da justiça e a democracia que dela deriva.

O próprio art. 225, § 3º da Constituição Federal ao disciplinar as condutas lesivas ao meio ambiente e impor a obrigação de reparação dos danos causados pode ser contrariado caso a aplicação errônea da inversão do ônus da prova afaste a averiguação do nexo causal.

Isso porque muito embora a responsabilidade civil em matéria ambiental seja, a principio, objetiva, dispensando a analise do elemento subjetivo referente à culpa, é imperiosa a aferição do nexo de casualidade entre a conduta, ação ilícita e o dano causado, na forma do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, além do art. 927 do Código Civil.

Decisões dessa natureza não podem ser basear em presunções ou prescindir da necessária prova técnica a ser produzida pela parte adequada.

Nessa esteira, vale ainda citar, o artigo 5º, LV da Constituição Federal onde, clausula pétrea, assegura o direito aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, sendo que impor ônus  probatório demasiadamente penoso a uma parte, sem a devida fundamentação fática e observância da regras legais tornar-se-ia uma afronta constitucional ao violar o devido processo legal.

Não se pode deixar de enfrentar a invocação do chamado principio da precaução para fundamentar a inversão do ônus probatório. Presentes em precedentes emanados do STJ que originaram a Súmula em questão, a aplicação do mesmo deve ser ponderada nos casos concretos, sendo imprescindível uma base legal que o sustente, não podendo ocorrer de forma abstrata e sem lastro em evidencias técnicas, sem falar na inexistência de hierarquia entre este principio e outros de mesma importância, como o supra citado principio do devido processo legal.

Concluindo, todos os aspectos fáticos e legais analisados alhures devem ser observados na aplicação prática da Súmula 618 do STJ, cuja incidência deve ser requerida e decidida de forma fundamentada, devendo ser repelida a sua aplicação ex oficio ou ao arrepio da realidade fática e das regras legais que a devem nortear, sob pena de se incorrer em um desvirtuamento da equidade processual das partes sob o falso mantra de se proteger o suposto hipossuficiente, o que se contrapõe aos ideais de justiça e democracia e, em casos mais graves, submetendo os jurisdicionados à graves conseqüências patrimoniais derivadas da sua incorreta aplicação.

 

 

 

 

 

 

  • PAULO ROBERTO BRITO NASCIMENTO

Advogado, graduado pela Universidade Católica de Salvador (1998)

Pós graduando em Direito Ambiental – PUC MG

Pós-graduado em Processo Civil, Direito Civil e Direito do Trabalho – UFBA

Especialização em Direito do Trabalho 2007.1 – Juspodivm

Pós Graduado em Gestão das Organizações

Membro da Procuradoria da Assembléia Legislativa da Bahia

SubProcurador Geral da Procuradoria Geral da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia – 2017-2019

20 anos de atuação militante nas áreas do Direito Ambiental, Trabalho, Civil e Administrativo.

 

3 comentários em “ASPECTOS DEMOCRÁTICOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM ANÁLISE DA SÚMULA 618 DO STJ.”

  1. Maravilha Paulinho, muito bem e coerentemente analisado. Pontuou os exatos desequilíbrios se aplicada sem uma análise de cada caso concreto, aplicada de forma geral fere o direito da justa justiça.

  2. Maravilha Paulinho, muito bem e coerentemente analisado. Pontuou os exatos desequilíbrios se aplicada sem uma análise de cada caso concreto, aplicada de forma geral fere o direito da justa justiça.

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