Por PAULO ROBERTO BRITO NASCIMENTO
Com o advento da geração de energias renováveis, em escala crescente, tem surgido questionamentos sobre as modalidades de instrumento contratuais a serem utilizadas entre as empresas, investidores, e os proprietários de terras.
Grande parte dos investidores não compram a propriedade para a implementação das usinas, consequentemente, tem que optar por outras modalidades de negócio que permitam ter posse de lugares para a instalação do empreendimento, visto que a Lei nº. 14.300, de 06 de janeiro de 2022 e a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, por meio da Resolução Normativa n.º 482/2012 (REN 482/2022) – determinam que se comprove a propriedade ou a posse(locação, cessão de direito de superfície, arrendamento etc.) das áreas destinadas a este fim.
Esses contratos são importantes porque irão garantir a posse da propriedade que está gerando a energia, que é obrigatória para que se possa ter acesso à rede distribuidora e a compensação de energia elétrica.
Alias, a legislação vigente exige a comprovação da posse ou propriedade do imóvel onde está instalado o sistema de geração de energia elétrica. Portanto, quando se optar por não adquirir a propriedade do pode optar por alugar, firmar uma cessão de direitos ou arrendar um terreno. O uso do imóvel será por um longo prazo, que usualmente é de 25 anos. Com isso, o não se pode errar na escolha do contato, sob pena de consequências indesejadas.
Atualmente, existem dezenas de usinas solares em operação no Brasil, e inúmeras em processo de instalação, as quais somam mais de 2 Gigawatts (GW) de potência, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR)
Esse valor ainda é irrisório no total da matriz elétrica do país, contabilizando por apenas 1,2%, porém, no prazo de poucos anos, a fonte solar conseguiu superar a Nuclear como a 7ª maior fonte geradora do Brasil e deve subir mais de posição nos próximos anos.
Dentre os estados com maior número de projetos em operação, Bahia vem em primeiro, Minas Gerais vem em segundo e Amazonas em terceiro, com 14.
De acordo com o Banco de Informações de Geração da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), existem mais dezenas usinas solares em construção no país e adicionais projetos já contratados, porém que ainda não saíram do papel. Investimentos como esse já são esperados no Brasil e devem ser cada vez mais frequentes.
1 – ARRENDAMENTO RURAL
O contrato de arrendamento rural, embora não seja tecnicamente adequado, vez que não se trata de exploração de atividade agro pastoril, é amplamente utilizado pelos “investidores” na instalação das usinas de geração de energia fotovoltaica.
A utilização do arrendamento, embora aparentemente atécnica, é amplamente utilizada e tornou-se viável por ser este um contrato, embora eminentemente rural cuja sua exegese nasceu para implemento de atividades agro pastoris, que supre as necessidades da situação em questão, na instalação das usinas de geração de energia fotovoltaica instaladas em terras rurais.
A Lei 14.300/2022 aceita como comprovação da posse contratos de arrendamento de terrenos, lotes e propriedades para fins de conexão de usinas na Geração Distribuída.
O conceito de arrendamento está previsto no art. 3º do Decreto 59.566/66, que regulamenta o Estatuto da Terra, que dispõe o seguinte:
Art.3º Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele [sic] ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei. (BRASIL, 1966). (grifos acrescidos)
Atualmente, como já dito, o contrato de arrendamento rural é muito utilizado na prática entre as concessionárias e permissionárias e os proprietários das terras rurais usadas com a finalidade de implementar as usinas fotovoltaicas, usando-se uma interpretação extensiva do supra citado dispositivo legal, classificando a atividade como agro-industrial.
Trata-se de um instituto eminentemente rural, que pressupõe as peculiaridades existentes do campo, e legitima o uso, a posse e a exploração das áreas rurais, cuja sua utilização vem sendo ampliada para a atividade energética fotovoltaica.
No entanto, como ainda não há uma regulamentação específica para este tipo de atividade e os contratos de arrendamento encontram alguns óbices jurídicos em relação a posse do terreno para produção de energia, isto porque, em regra, existem tipos específicos de arrendamento como: Comercial, Rural, Mercantil e de Royalties.
Por esta e outras razões, entendemos que não é tecnicamente adequado utilizar o contrato de arrendamento para a obtenção de posse de imóvel rural para fins de implementar usina de geração de energia elétrica. O contrato de arrendamento rural é regulamentado pela Lei de Arrendamento Rural, Decreto nº 59.566 de 1966, que dispõe em seu artigo 1º, que os contratos agrários de arrendamento ou parceria, com o fim de posse ou uso temporário, serão reconhecidos para o exercício de atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativista ou mista.
Extrai-se, portanto, do Decreto nº 59.566/66, que para o contrato de arrendamento rural é necessário o cumprimento de pelo menos dois requisitos:
- que a localização do imóvel em área rural ou a sua destinação seja rural
- que o objeto do arrendamento trate sobre o exercício de atividade agropecuária ou agroindustrial.
Nesse ínterim, tem-se entendido que o contrato de arrendamento somente seria adequado quando se tratasse de um contrato para geração de energia elétrica para a atividade agropecuária ou agroindustrial e não para comercialização para terceiros, como vem se configurando.
Como dissemos, não há atualmente uma regulamentação específica para este tipo de contratação. Mas tem-se, que o contrato de locação possui algumas vantagens em relação ao contrato de arrendamento.
O contrato de arrendamento possui requisitos legais específicos, e se não enquadrado nesses requisitos, passa a ter somente o nome de “contrato de arrendamento”, mas não será tratado como tal, trazendo uma insegurança jurídica quanto ao que foi firmado entre as partes, além de encontrar obstáculos para seus registros na matrícula do imóvel objeto da locação. Muitos cartórios já não registram contratos de arrendamento na matrícula de imóveis quando não estão preenchidos os requisitos do Decreto nº 59.566/66.
Esse é um tipo de contrato mais voltado para propriedades rurais, ou seja, o proprietário da terra (arrendador) cede os direitos de exploração para um terceiro (arrendatário).
De forma cristalina, o Artigo 1 do Decreto nº 59.566 de 16 de novembro de 1966 determina que:
“O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista.”
Além disso, as cláusulas precisam estar de acordo com o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964).
Ademais, para a implementação de uma usina de energia solar conectado com a rede, é preciso comprovar o arrendamento e seguir a resolução 482 da ANEEL, órgão responsável pela regulamentação do setor.
2 – LOCAÇÃO
Passamos a analisar a utilização do contrato de locação, também pode ser estrategicamente utilizado para a instalação de usinas de geração de energia solar em terras rurais, e inscrito nos Registros de Imóveis, com a devida aplicação das normas previstas na lei especial do Inquilinato (Lei nº 8.245/91).
No tocante ao contrato de locação, deve se observar, inicialmente, se a usina será instalada na área rural ou na área urbana. Se a usina for ser instalada em imóvel rural tem-se que o contrato de locação deverá ser regido pelas regras previstas no Código Civil, e se localizada em área urbana, tem-se um contrato de locação, regido pela Lei do Inquilinato, que trata de forma específica de locação de imóveis urbanos. Imperioso frisar, então, que a localização do imóvel interfere na lei que irá regulá-lo.
O contrato de locação, pelo qual “uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição” (Art. 565, Código Civil). As regras gerais da locação estão previstas no Código Civil de 2002, em seus artigos 565 a 578, e têm aplicação residual na omissão das leis específicas. A regulação específica da locação de imóveis, todavia, é regida pela Lei nº 8.245 de 1991.
Também, apesar de utilizado em menor escala, entendemos não ser o modelo adequado para a questão, vez que se tratam de contratos em períodos longos e cuja natureza contratual da locação diverge em parte da utilização prevista, podendo trazer sérios problemas em caso de necessidade de rescisão antecipada e até de despejo, vez que seria caracterizado o uso comercial.
3 – CESSÃO DE DIREITOS
Há, por fim, também a possibilidade do uso estratégico da cessão do direito real de uso de superfície nos casos de instalação de usinas de geração de energia fotovoltaica em terras rurais.
Este instrumento, notadamente o mais adequado para o objeto em estudo, geralmente oferece benefícios a ambas as partes especialmente no eventual inadimplemento do contrato. Isso porque se trata de um direito real em que o imóvel irá garantir o cumprimento das obrigações
O contrato de cessão do direito real de superfície é previsto nos artigos 1.369 a 1.377 do Código Civil e nos artigos 21 a 24 da Lei nº 10.257 de 2001 (Estatuto da Cidade).
Há diferenças entre ambos os regramentos, que, no entanto, coexistem no sistema privado nacional. Isso porque o Estatuo da Cidade é lei específica que trata de política de desenvolvimento urbano O artigo 1.369 do Código Civil define o direito de superfície como aquele em que “o proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis”
A constituição desse direito real depende de instrumento público lavrado por Tabelião de Notas e posteriormente registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição territorial do bem. O registro, nesse caso, é constitutivo e sem ele não há que se falar em direito real.
O parágrafo primeiro do artigo 1.369 do Código Civil dispõe que o “direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão” . Além disso, a concessão da superfície pode se dar de forma gratuita ou onerosa, e poderá ser transmitida a terceiros pelo superficiário, com direito de preferência ao proprietário do solo.
A extinção desse direito pode ocorrer pelo esgotamento do prazo (se for determinado), ou ainda se o superficiário der destinação diversa daquela que lhe foi concedida.
Com a extinção do uso da superfície, o proprietário passa a ter a propriedade plena sobre o terreno, a construção, ou a plantação, as acessões e as benfeitorias, independentemente de indenização, se as partes não estipulares o contrário (art. 1.375 do CC). O comando é específico afastando as normas gerais aplicáveis ao possuidor de boa-fé, como é o caso do superficiário. Consigne-se que a grande vantagem da superfície para o proprietário ou fundieiro é justamente adquirir as construções ou plantações. Como ocorre com a sua constituição, diante do princípio da publicidade, a extinção da superfície deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Por outro lado, se o proprietário do solo descumprir o contrato, os “investidores” de energia elétrica poderão continuar exercendo a sua posse até o final do prazo estabelecido. Esse é exatamente o efeito e a grande vantagem de se tratar de um direito real: o imóvel fica vinculado ao cumprimento das obrigações contratuais.
CONCLUSÕES
Atualmente, concluímos que a melhor opçÃO para realização de contratos de geração distribuída é com base no Código Civil Brasileiro, cessão de direito real de superfície. Esses contratos têm apresentado maior segurança aos empreendedores, principalmente pela possibilidade de efetuar o registro desse instrumento no cartório de Registro de Imóveis onde está registrado o imóvel.
Por normalmente se tratarem de contratos de longa duração, o Registro gera uma garantia contra terceiros adquirentes, obrigando-os ao cumprimento do contrato registrado.
Por fim, apesar dos levantamentos aqui apontados, é preciso analisar cada caso individualmente, e verificar qual o melhor contrato no caso em específico. Destarte, o auxílio de um profissional qualificado e preparado é indispensável para garantir a segurança jurídica que esses contratos necessitam.
- PAULO ROBERTO BRITO NASCIMENTO
Advogado, graduado pela Universidade Católica de Salvador (1998)
Pós graduado em Direito Ambiental – PUC MG
Pós-graduado em Processo Civil, Direito Civil e Direito do Trabalho – UFBA
Especialização em Direito do Trabalho 2007.1 – Juspodivm
Pós-graduado em Gestão das Organizações
Membro da Procuradoria da Assembléia Legislativa da Bahia
SubProcurador Geral da Procuradoria Geral da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia – 2017-2019
25 anos de atuação militante nas áreas do Direito Ambiental, Trabalho, Civil e Administrativo.